A maior província de gás fóssil do Maranhão, na região de Santo Antônio dos Lopes, vem sendo explorada pela Eneva sem qualquer sinal do desenvolvimento sempre prometido e raramente entregue pelos defensores da exploração de combustíveis fósseis. A pobreza continua marcante, e acordos feitos entre a petroleira e moradores envolvem o fornecimento de animais como compensação pela atividade, que também destruiu áreas verdes, ameaçando a cultura ancestral da colheita do babaçu.
Duas leitoas, uma dúzia de galinhas, uma horta: esse foi o acordo firmado entre a Eneva e moradores do quilombo de Bom Jesus dos Pretos, no município de Lima Campos. É parte do programa Quintal Produtivo, uma forma de compensação socioambiental por parte da empresa para oferecer à população uma fonte de geração de renda e trabalho, explica André Borges na Folha.
O Quintal Produtivo foi iniciado em 2021 e entrou no rol de gestos ou compensações da Eneva para as 135 famílias de comunidades quilombolas da região. Apenas alguns moradores são agraciados por uma remuneração mensal da petroleira, quando têm seus terrenos diretamente cortados por gasodutos subterrâneos ou poços de exploração de gás fóssil.
Ao ser contemplado pelo programa, o morador tem que escolher uma entre as três opções: porco, galinha ou horta. No entanto, quatro anos depois do Quintal Produtivo ter sido implantado, muitas famílias reclamam que nem sequer receberam as pequenas estruturas de concreto e arame. Outros relatam que nunca receberam os animais prometidos.
Na lista de indignados está João Macenas Silva Santos, 69, aposentado, que vive no quilombo de Bom Jesus dos Pretos. “Nunca veio nem um leitão. Nem estou querendo mais. A promessa era entregar duas leitoas e a comida [ração] pra seis meses. Não se falou mais nisso. Estou injuriado, ninguém liga pra nada.”
O diretor de relações externas e comunicações da Eneva, Aurélio Amaral, negou atraso no programa e disse que o tempo para conclusão dos quintais só vence em 2026. São cinco anos, portanto, para que a empresa entregue porcos e galinhas para 135 famílias do interior do Maranhão. De fato, uma tarefa muito difícil [contém ironia].
A abertura de poços para a exploração de gás fóssil e a construção de gasodutos interferiu diretamente também na rotina difícil das quebradeiras de coco de babaçu desta região do Maranhão. Cerca de 1.200 mulheres retiram o sustento de suas famílias com a colheita do fruto, conta Borges na Folha.
Nas mãos calejadas, a quebradeira de coco Joana Rodrigues Alves, a Nhanha, exibe, sorridente, o sabonete Babaçu Livre, feito ali mesmo, nas instalações modestas de uma cooperativa na comunidade Ludovico, no município de Lago do Junco. Fabricado com o óleo vegetal do babaçu e embalado artesanalmente pelas quebradeiras, o sabonete que hoje percorre o mundo leva a mensagem “Proteja nossa floresta, Defenda a sua pele”.
No entanto, o caminho para o sabonete artesanal chegar aos grandes centros urbanos tem se tornado cada vez mais difícil por causa das atividades da Eneva. Com a chegada da exploração de gás fóssil, houve derrubada de palmeiras, alteração de rotas usadas há décadas e fechamento de igarapés.
“Nós somos resultado de um conhecimento tradicional. Eu aprendi com a minha mãe, que aprendeu com a minha avó. Criei sete filhos com a quebra do coco. Pra nós, quebradeiras, a palmeira do babaçu é a nossa mãe. O coco é o nosso ouro. A gente valoriza muito isso, porque não podemos desconhecer aquilo que foi o leite da gente, que sempre foi tudo”, desabafa Maria Alaídes Alves, nascida na comunidade Ludovico e hoje uma liderança na luta pelo respeito à tradição do trabalho das quebradeiras de coco.