NEPÓSSÍVEL? A Ousadia do Brandão: Entre Heranças, Rupturas e Reposicionamentos

NEPÓSSÍVEL? A Ousadia do Brandão: Entre Heranças, Rupturas e Reposicionamentos

Prof. Nona­to Choco­late

A dinâmi­ca políti­ca maran­hense expres­sa, com rara nitidez, a plas­ti­ci­dade do
cam­po políti­co brasileiro. A metá­fo­ra das “nuvens” se ajus­ta bem ao jogo de forças,
alianças e reposi­ciona­men­tos que, ao lon­go de décadas, estru­tu­raram a hege­mo­nia das
elites region­ais. No Maran­hão, o sobrenome “Sar­ney” não oper­ou ape­nas como mar­ca
famil­iar, mas como cat­e­go­ria soci­ológ­i­ca que sim­boliza a for­mação de um regime políti­co
oligárquico, cujos efeitos se capi­larizaram no Esta­do brasileiro.
José Sar­ney, figu­ra cen­tral dessa elite, acu­mu­lou cap­i­tais políti­cos e sim­bóli­cos
em difer­entes escalas: munic­i­pal, estad­ual e nacional, con­ver­tendo-os con­tin­u­a­mente em
for­mas ren­o­vadas de dom­i­nação. A longev­i­dade de seu grupo não pode ser com­preen­di­da
sem con­sid­er­ar mecan­is­mos clás­si­cos da soci­olo­gia políti­ca brasileira: o pat­ri­mo­ni­al­is­mo,
o clien­telis­mo, a per­son­al­iza­ção do poder e a sobreposição entre esferas públi­ca e pri­va­da.
Assim se sus­ten­tou um sis­tema em que o Esta­do serviu, repeti­das vezes, como fonte de
repro­dução de poder políti­co-famil­iar.
Emb­o­ra a cap­i­tal, São Luís, his­tori­ca­mente apre­sen­tasse resistên­cia eleitoral ao
sar­ne­y­sis­mo, o inte­ri­or maran­hense con­soli­dou, por décadas, redes de apoio que
ali­men­ta­ram a per­manên­cia do grupo nos espaços insti­tu­cionais: Câmara, Sena­do,
gov­er­nos estad­u­ais, além da eleição da primeira gov­er­nado­ra mul­her do Brasil, Roseana
Sar­ney.
A erosão desse arran­jo não se deu por aca­so, mas pela fis­sura provo­ca­da por um
dos prin­ci­pais quadros do próprio grupo: José Reinal­do Tavares, cuja rup­tura expôs
con­tradições inter­nas da elite tradi­cional. Sua dis­sidên­cia não foi ape­nas um ato
indi­vid­ual, mas um fenô­meno soci­o­logi­ca­mente com­preen­sív­el no inte­ri­or das lóg­i­cas das
oli­gar­quias: quan­do o cap­i­tal políti­co inter­no já não se con­verte em ascen­são den­tro da
estru­tu­ra, os agentes ten­dem a reor­ga­ni­zar-se e for­mar seus próprios polos de poder.
A par­tir desse racha emergem dois nomes que, duas décadas depois, assumiri­am
pro­tag­o­nis­mo no cam­po políti­co: Flávio Dino e Car­los Brandão, ambos ex-inte­grantes do
1 Pro­fes­sor de Soci­olo­gia do COLUN/UFMA, Mestre em Edu­cação.
reinald­is­mo, cada qual tril­han­do tra­jetórias dis­tin­tas na luta pelo monopólio da
rep­re­sen­tação legí­ti­ma do poder no Esta­do.
Flávio Dino, com forte cap­i­tal cul­tur­al e insti­tu­cional: juiz fed­er­al, dep­uta­do,
pres­i­dente da Embratur, gov­er­nador, senador, min­istro da Justiça – Segu­rança Públi­ca e
min­istro do STF, con­stru­iu uma car­reira mar­ca­da pela cir­cu­lação entre difer­entes cam­pos
(jurídi­co, buro­cráti­co e políti­co), acu­mu­lan­do prestí­gio e legit­im­i­dade.
Car­los Brandão, ao con­trário, emergiu a par­tir de posições con­sid­er­adas
secundárias den­tro da elite políti­ca, dep­uta­do de “baixo clero”, pois mes­mo sendo “tucano
de bico- grosso”, não alçou voos mais altos que as “col­i­nas”, mas foi secretário de
gov­er­no até tornar-se vice e suces­sor de Dino, graças à lóg­i­ca das alianças que inte­gram
difer­entes frações das elites estad­u­ais.
É nesse cenário que surge a questão provoca­ti­va que levan­to aqui neste arti­go:
estaria o gov­er­nador Car­los Brandão empen­hado em con­sti­tuir seu próprio patrimônio
políti­co-famil­iar, repro­duzin­do práti­cas históri­c­as das elites às quais ele próprio se opôs
como parte do blo­co de ren­o­vação?
A nomeação de José Adri­ano Sar­ney, neto de José Sar­ney para a MOB nos mostra
que mes­mo com o sobrenome e força do avô, ele não con­seguiu ren­o­var seu manda­to de
dep­uta­do estad­ual e não se tra­ta ape­nas de um car­go: é um mar­cador sim­bóli­co de
per­manên­cia. E é nesse cenário que surge a espec­u­lação: estaria Brandão ensa­ian­do seu
próprio movi­men­to “nepóssív­el”, ao suposta­mente posi­cionar seu sobrin­ho como pos­sív­el
herdeiro políti­co? O jogo lin­guís­ti­co entre nepos ter­mo em latim para neto ou sobrin­ho,
e nepo­tismo é mais que metá­fo­ra; é uma chave analíti­ca para com­preen­der a per­sistên­cia
das lóg­i­cas oligárquicas no Brasil.
A soci­olo­gia políti­ca ensi­na que rup­turas e con­tinuidades con­vivem ten­sa e
simul­tane­a­mente. Um gov­er­nante pode ser pro­du­to de uma aliança mod­ern­izado­ra e, ao
mes­mo tem­po, repro­duzir padrões tradi­cionais de con­strução de poder. O Maran­hão
con­hece pro­fun­da­mente essas ambigu­idades.
Assim, a per­gun­ta que per­manece é menos moral e mais estru­tur­al:
Brandão está repro­duzin­do as for­mas históri­c­as de sucessão políti­ca — ou com ousa­dia
está sim­ples­mente respon­den­do às lóg­i­cas de gov­ern­abil­i­dade que o sis­tema impõe?
Seja qual for a respos­ta, per­manece atu­al a famosa advertên­cia atribuí­da a Leonel Brizo­la,
frase que sin­te­ti­za a racional­i­dade estratég­i­ca da políti­ca brasileira:
“A políti­ca ama a traição, mas odeia o traidor.

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