A cláusula pétrea contra a anistia

A cláusula pétrea contra a anistia

* Por Car­los Lula, Rodri­go Lago e Felipe Camarão

Há pro­postas que nascem der­ro­tadas. A pro­pos­ta de anis­tia para crimes con­tra a democ­ra­cia sequer pode ser obje­to de delib­er­ação. É cláusu­la pétrea de dupla fun­da­men­tação, primeiro porque col­ide frontal­mente com o que a Con­sti­tu­ição escreveu em letras claras como garan­tia fun­da­men­tal de autode­fe­sa, que por si é pro­te­gi­da pelo art. 60, §4º, IV, mas tam­bém indi­re­ta­mente pelo inciso II do mes­mo dis­pos­i­ti­vo, a pro­te­ger o Esta­do Democráti­co de Dire­ito.
O arti­go 5º da Con­sti­tu­ição de 1988 diz, no inciso XLIII, que a práti­ca da tor­tu­ra, do ter­ror­is­mo e dos crimes hedion­dos é inafi­ançáv­el e insuscetív­el de graça ou anis­tia. Em sequên­cia, o inciso XLIV declara impre­scritív­el a ação de gru­pos arma­dos con­tra a ordem con­sti­tu­cional e o Esta­do Democráti­co de Dire­ito.
Não se tra­ta ape­nas de dois dis­pos­i­tivos dis­tin­tos e sep­a­ra­dos. Longe dis­so, se com­ple­men­tam. A impre­s­critibil­i­dade, aqui, não é um detal­he iso­la­do. Ela con­tém, quase que explici­ta­mente, a proibição de qual­quer for­ma de esquec­i­men­to, inclu­sive por perdão, graça ou anis­tia.
Sem razão per­mi­tir que uma lei, nor­ma infra­con­sti­tu­cional, faça o que nem o decur­so do tem­po pode faz­er, que é impedir a respon­s­abi­liza­ção por um cer­to e gravís­si­mo crime de aten­tar con­tra o Esta­do Democráti­co de Dire­ito. Se nem a demasi­a­da demo­ra estatal é capaz de lib­er­ar o autor de deter­mi­na­dos crimes, menos ain­da o será uma ação políti­ca de aprovar e, even­tual­mente, san­cionar ou pro­mul­gar, um pro­je­to de lei.
É esse o pon­to de con­tinên­cia: se a Con­sti­tu­ição blind­ou o deli­to con­tra o Esta­do de Dire­ito do decur­so do pra­zo, inclu­sive como cláusu­la pétrea, blind­ou tam­bém de qual­quer perdão leg­isla­ti­vo.
A ten­ta­ti­va de con­ced­er anis­tia à ação crim­i­nosa de gru­pos con­tra a ordem con­sti­tu­cional e o Esta­do Democráti­co de Dire­ito, por­tan­to, é incon­sti­tu­cional e ilógi­co!
Neste caso, a respos­ta con­sti­tu­cional nem depende de con­struções prin­ci­p­i­ológ­i­cas sofisti­cadas, pois está expres­sa­mente insculp­i­da na Con­sti­tu­ição. Clara­mente escri­ta.
Insi­s­tir em anis­tia é trans­for­mar exceção em regra. É diz­er ao pre­ten­so golpista que haverá chance, em caso de insuces­so na ten­ta­ti­va de rup­tura con­sti­tu­cional, de uma lei dis­pos­ta a absolvê-lo, pouco impor­tan­do a gravi­dade da con­du­ta. Não é, por­tan­to, medi­da de paci­fi­cação, muito menos de defe­sa do orde­na­men­to con­sti­tu­cional e do regime democráti­co, mas ver­dadeiro estí­mu­lo a golpis­tas do futuro.
Uma lei não revo­ga a Con­sti­tu­ição, nem a diminui. Quan­do ten­ta fazê-lo, não pas­sa de papel inútil, con­de­na­do a ser var­ri­do pelo con­t­role de con­sti­tu­cional­i­dade, seja pelo con­t­role prévio exer­ci­do pelo Con­gres­so Nacional, seja pelo precípuo guardião da Con­sti­tu­ição.
O peri­go está em algo maior: nor­malizar a ideia de que o núcleo do Esta­do Democráti­co é nego­ciáv­el.
Na história brasileira, anis­tias sem­pre sur­gi­ram como válvu­la após rup­turas insti­tu­cionais. Em 1895, com o Decre­to nº 310, do Pres­i­dente Pru­dente de Morais, veio para encer­rar a Rev­olução Fed­er­al­ista. Em 1934, após a der­ro­ta paulista na Rev­olução Con­sti­tu­cional­ista em 1932, Var­gas recor­reu ao perdão políti­co pelo Decre­to nº 24.297. Em 1945, o mes­mo Getúlio pub­li­cou o Decre­to-Lei nº 7.474, que con­cedeu anis­tia aos pre­ten­sos e frustra­dos golpis­tas, exce­tu­a­dos des­ta os crimes comuns. E em 1979, no oca­so da ditadu­ra mil­i­tar, o Con­gres­so Nacional aprovou, e o pres­i­dente João Figueire­do san­cio­nou a lei que absolveu persegui­dos, mas tam­bém mil­itares respon­sáveis por graves vio­lações, numa espé­cie de autoanis­tia.
Em todos ess­es momen­tos, o gesto não sig­nifi­cou ver­dadeira rec­on­cil­i­ação, ape­nas con­soli­dou a ideia de que a rup­tura pode ser segui­da do esquec­i­men­to ofi­cial.
Repe­tir o roteiro não seria paci­fi­cação, mas rein­cidên­cia. A história mostra que anis­tiar a rup­tura não evi­ta a próx­i­ma, ape­nas con­vi­da a uma nova ten­ta­ti­va. Não é politi­ca­mente recomendáv­el, além de ser incon­sti­tu­cional, por vio­lar cláusu­la pétrea.

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Por Car­los Lula, Rodri­go Lago e Felipe Camarão

Car­los Lula é advo­ga­do con­sti­tu­cional­ista, doutoran­do em Dire­ito e con­sul­tor leg­isla­ti­vo da Assem­bleia Leg­isla­ti­va do Maran­hão e atual­mente exerce manda­to de dep­uta­do estad­ual.

Rodri­go Lago é advo­ga­do con­sti­tu­cional­ista e atual­mente exerce manda­to de dep­uta­do estad­ual.

Felipe Camarão é procu­rador fed­er­al, doutor em Dire­ito e pro­fes­sor de Dire­ito Con­sti­tu­cional da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Maran­hão e vice-gov­er­nador do Maran­hão.

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